quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Riso, memória e lágrimas no picadeiro


TEATRO EXTREMO:grupo português trouxe grande encenação ao Festluso


O riso nunca morre, mas os dentes caem no avançar da idade e os músculos cansados da face transformam uma gargalhada numa máscara mista de dor e choro. A memória, esse martelo, regride para o passado, insistindo em trazer lembranças de um tempo finito, embora glorioso.

Lauren Bacal, quando homenageada no Oscar há alguns anos, irritou-se profundamente com uma imagem sua na juventude projetada no telão. O seu silêncio disse tudo. Se é difícil para o homem comum encarar a decadência, imagine para alguém acostumado às luzes e aos aplausos.

Na noite de ontem, três velhos palhaços velhos – mas não palhaços velhos – subiram ao palco do Theatro 4 de Setembro, atendendo a um anúncio de emprego publicado em um jornal. Felippo, Peppino e Nicollo tiveram um passado glorioso nos picadeiros mundo afora. Dessa época restam exatamente um recorte de jornal, um cartaz amassado e uma garrafa de bebida. No mais, apenas os sarcasmos e as boas memórias do trio, agora encarando a escassez de trabalho na idade avançada.

Esse é o enredo de “Velho Palhaço Precisa-se”, texto do romeno Matei Viscniec, apresentado pelos portugueses da Cia de Teatro Extremo, de Almada, Portugal, na programação do Festival de Teatro Lusófono. Os espectadores tiveram diante de si um brilhante exercício de clown, técnica das mais sublimes da interpretação.

A tragicomédia ganhou fácil a platéia devido à singeleza e o carisma dos personagens. Entre muitas gargalhadas e gagues está presente, no entanto, uma tristeza velada, uma certa nostalgia. O riso ainda é o melhor dos remédios e o segundo melhor professor depois do mundo.

Divertindo-se com seu caleidoscópio de lembranças, o trio de velhos palhaços se reveza na demonstração de talentos individuais, um tentando sobrepujar o outro; o que possa parecer desunião na verdade é o puro medo da exclusão pela velhice: só há uma vaga anunciada para a função nos jornais.

“Velho Palhaço Precisa-se” é uma interessante e comovente alegoria sobre a condição humana. É preciso viver o tempo a seu tempo. Deixar o passado onde ele deve ficar e preparar-se e aceitar o apagar das luzes. Os talentos desaparecem atrás da máscara da idade avançada. Poucos, quase ninguém oferece mais que uma vaga a um velho homem/palhaço que tem coragem de querer voltar ao palco

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